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Do econômico ao mental, mudanças tecnológicas impactam os ‘novos consumidores’
Data de Publicação: 2 de setembro de 2022 09:29:00 Fazer compras se torna cada vez mais fácil e rápido, mas tanta conveniência pode provocar ‘armadilhas’. Entenda os principais efeitos desta facilidade nas relações comerciais
Os avanços tecnológicos e a inserção na chamada era digital provoca efeitos em todas as áreas. Quando falamos de consumo, não é diferente. E os tempos de restrições sociais da pandemia da Covid-19 serviram para impulsionar mais ainda o que já era uma tendência: os meios de consumo estão cada vez mais rápidos, fáceis e acessíveis, independentemente de onde o consumidor esteja. É uma realidade que já vivemos. Não há mais uma necessidade de estar fisicamente em determinado local para adquirir os produtos que deseja, ou até mesmo para ser atraído por algum vendedor. Tudo isso já acontece em sua casa, trabalho, lazer, ou seja lá onde estiver. Neste cenário, as mudanças são constantes e geram impactos em diversas áreas, desde a reinvenção de estabelecimentos comerciais para se adaptar ao que pede a nova realidade, passando por evoluções publicitárias até os efeitos psicológicos nos consumidores.
Benefícios e malefícios da “tecnologia x consumo”
Psicóloga e professora da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), Quele Gomes analisa que o avanço tecnológico sobre o comportamento do consumidor tem aspectos positivos e negativos. Ela ressalta que as facilidades possibilitadas pela tecnologia, principalmente a acessibilidade e melhores opções de comparações de preços e menos custos de deslocamentos, são avanços extremamente importantes para o cotidiano de todos os envolvidos.
“Se a gente parar para pensar que existem pessoas que não têm condições de sair de casa pra poder adquirir um produto ou um serviço, comprar por meio da internet é um grande facilitador. Basta pensar no que vivenciamos na pandemia. Ao mesmo tempo, muitas vezes na internet você encontra produtos com valores diferenciados em relação a uma compra presencial”, constata. Por isso, os caminhos dessa nova realidade apontam para aspectos preocupantes. O primeiro deles, a perda de contato humano. “Quando você faz uma compra presencial, vai à loja, interage com uma outra pessoa, faz perguntas, escuta respostas, tem a possibilidade também de fazer uma proposta, de negociar o valor, você espera que o vendedor ouça sua proposta, apresente uma contraproposta. Nessa interação, nesse episódio social, a gente está treinando várias habilidades, como as de perguntar, de escutar, de esperar, de tolerar”, relata.
Outro fator que merece atenção, cita a professora, é o consumo desenfreado, que pode ser um “escape” de eventuais problemas. “A gente observa um fortalecimento de comportamentos relacionados ao imediatismo, uma dificuldade também no autocontrole. O que é que acontece muitas vezes? A pessoa acaba comprando, comprando, comprando, comprando, comprando para poder lidar ou minimizar outros sofrimentos, outras situações que ela tem vivenciado. E aí esse fácil acesso a produtos e serviços pode ser uma condição que prejudique mais do que auxilie a pessoa a entender o que está acontecendo com ela”, alerta a psicóloga.
Ela ressalta que esse tipo de comportamento pode gerar outras consequências negativas. “Muitas vezes a gente se sente livre, mas não de fato para comprar o que quer. Mesmo assim, acaba sendo induzido a obter e a consumir determinados produtos e serviços. Então, daqui a algumas décadas podemos vivenciar também um momento onde as pessoas têm muitas coisas que não são úteis ou essenciais para sua sobrevivência. Isso vai refletir no meio ambiente, nas relações que estabelecemos com nossos pares e assim por diante”. Para Quele, o principal desafio da nova realidade do consumo é o desenvolvimento do autocontrole. “Para que agente possa, de fato, adquirir o que é necessário e não necessariamente o que é desejado ou imposto. E lembrar de, sempre que tiver a oportunidade, fazer uma compra presencial, trabalhando habilidades sociais pra vida”, orienta.
Facilidade aumenta poder de compra, mas inspira cuidados
O professor de administração da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), Rafael Tezza, destaca que o acesso a celulares e internet incentivou o consumo. “Você pode estar conectado em qualquer momento, e isso tem potencializado o consumo, não só na questão de entretenimento, mas também de comércio mesmo”, diz. Esse fenômeno influi na forma em que navegamos na internet. “Houve também intensificação dos algoritmos e de Machine Learning, que trabalham para oferecer produtos personalizados para o consumidor”, explica. Apesar de tamanha acessibilidade, Tezza observa que a tecnologia cria uma espécie de “fluxo”. “Cada vez que você fala, o celular acaba ouvindo e aí com isso você acaba tendo sugestões de produtos que vão entrando no que a gente chama de fluxo de consumo.”
A advertência de Tezza vai ao encontro com o raciocínio da psicóloga Quele Gomes, que acredita que, embora a inteligência artificial tenha o objetivo de atender os desejos personalizados para o cotidiano de cada consumidor, existe um claro perigo na atração para compras desnecessárias. “Com a questão dos algoritmos, muitas vezes você nem tem a necessidade de comprar um produto, mas ele está ali aparecendo na sua tela, porque em algum outro momento você fez uma pesquisa ou digitou algo relacionado a esse produto e é levado a comprar itens que não precisaria naquele momento”, alerta.
Menores preços e formas de pagamento entre as prioridades
A mudança nas relações de consumo também molda novas exigências, apontam as pesquisas conduzidas pelo professor de administração da Udesc, Rafael Tezza. Estudo em relação aos aplicativos de delivery observou que a praticidade e os preços se mantêm no topo da importância para os consumidores. “Quando você tem um produto à venda pela internet tem redução de custos também, não só logísticos, mas custos de instalação mesmo, e aí isso faz com que possam ter preços mais interessantes. E o consumidor tem valorizado muito isso”, diz. Um fator notado pela pesquisa é a diferença cultural do consumidor brasileiro. “A gente trabalhou com uma pesquisa chinesa semelhante, e lá a questão do preço é menos valorizada do que no Brasil. Foi um achado interessante”, informa Tezza.
A facilidade nas formas de pagamento também é detalhe cobiçado. O professor afirma que esse panorama tem potencializado as compras pelo celular que, atualmente, são maioria no online, ultrapassando o desktop. “Com isso, as empresas têm se forçado cada vez mais a criar seus sites ou mesmo vender pelas redes sociais”, constata. Outra exigência cada vez maior é a qualidade do produto, mais desafiadora. “As empresas têm investido bastante em logística. Algumas conseguem fazer entregas no mesmo dia, e em centros maiores tem se testado a entrega via drone, em que o produto chega em horas. Uma coisa que a gente vai ver com bastante frequência”, prevê Tezza.
Experiências sem sair de casa e maiores exigências
A visualização dos produtos e até de experiências sem sair de casa também ganham força. “Você consegue visitar um imóvel de forma on-line através da tecnologias 3D, e isso tem facilitado bastante e tem tornado o consumidor também mais exigente, tanto por qualidade quanto por agilidade, comodidade e praticidade”, reforça o profissional.
Segundo Tezza, a interação e soluções em tempo real são e serão cada vez mais fundamentais, já que a exigência é instantânea. “O impacto é grande na sociedade como um todo, assim como no campo empresarial. Há um tempo atrás, as empresas produzia me o consumidor tinha que aceitar aquilo. Hoje em dia não, a gente já tem potencializado essa interação e essa interatividade que existe entre o consumidor e os produtos e serviços de uma forma geral”, conclui o professor.
Fonte: ND+